sexta-feira, 26 de julho de 2013

Pode a demografia explicar a estagnação antes da recessão em Portugal?

Em Portugal, ao contrário de outros países agora em dificuldades económicas na Zona Euro - Espanha, Grécia e Irlanda-, o crescimento económico anémico era já bem evidente antes da crise financeira de 2007-08. A entrada no Euro possibilitou uma redução significativa da taxa de juro nestes países que tinham mantido historicamente taxas de juro altas, o que desencadeou bolhas imobiliárias -Espanha e na Irlanda- e despesismo público-Grécia, permitindo que estes países apresentassem taxas de crescimento económico bastantes superiores à média europeia. Já no caso de Portugal, que sofreu não só de uma bolha imobiliária mas também de despesismo público, o crescimento foi bastante mais fraco do que o grupo mencionado em cima e mais em linha com outros países que reconhecidamente tiveram performances fracas: Alemanha; Itália. (Gráfico em baixo)



Qual a razão de tão fraco crescimento relativamente aos outros países que se encontram agora na mesma situação? Pondo de outra forma, qual a causa que diferenciava Portugal dos outros países e como esta se dilui depois da crise de 2007-08? Alguns estudos e artigos recentes tentam explicar as causas desta falta de crescimento antes da crise, mas embora algumas das razões apontadas possam explicar em parte a falta de crescimento em Portugal, elas não parecem ser suficientes para explicar a diferença de crescimento em relação aos outros países, uma vez que, muitas das razões apontadas eram também evidentes nos outros países antes da crise.


O crescimento económico de longo prazo depende sobretudo do crescimento da força de trabalho e do aumento da produtividade.  Invariavelmente, o crescimento da produtividade, ou a sua falta, é apontado como a principal causa do fraco crescimento de Portugal, mas embora este seja com certeza um dos problemas na última década, não tanto quando se considera um período mais alargado, ela não parece ser suficiente para explicar a falta de crescimento relativamente aos outros países, mesmo no caso da Irlanda e da Grécia, onde a produtividade cresceu acima da portuguesa, como se pode ver no gráfico em baixo. Já no caso da Espanha, onde a produtividade foi claramente inferior à portuguesa, podemos concluir claramente que neste caso as diferenças de produtividade não explicam as diferenças de crescimento do PIB. Enquanto que o crescimento da produtividade em Portugal foi três vezes maior do que o de Espanha, o seu crescimento foi apenas metade.



Portanto, podemos  concluir que a produtividade por si só não é suficiente para explicar as diferenças de crescimento entre Portugal e o grupo de países mencionado em cima. Pelo contrário, a estagnação do crescimento da população activa, não só explica o fraco crescimento de Portugal na ultima década, como explicado no post anterior, mas também as diferenças de crescimento entre vários países da Zona Euro antes da crise financeira de 2007-08 e ainda como o crescimento começou a convergir depois desta.



Como explicado no post anterior, para Portugal, entre 2003-2008 (ver gráfico anterior) o “efeito população activa” foi neutro, ou seja, o aumento da população activa não teve qualquer efeito no crescimento do PIB, uma vez que, durante este período o seu crescimento foi insignificante. Já a partir de 2008, o crescimento da população activa tornou-se mesmo negativo e o "efeito população activa" começou a arrastar irremediavelmente o produto potencial para baixo. Nesta situação, para manter o crescimento económico, Portugal teria de aumentar gradualmente a sua produtividade ou aumentar as taxas de participação na força de trabalho- para compensar o declínio da força de trabalho-, mas estes mudam lentamente ao longo do tempo, e como tal o crescimento torna-se progressivamente mais lento. Portanto, quando o crescimento da população activa começa a estagnar ou a entrar em declínio, o crescimento económico estagna também. Isso explica o fraco crescimento económico de vários países europeus na última década. Em particular, explica porque é que Portugal e Espanha tiveram desempenhos económicos tão diferentes antes da recessão de 2007-08 e como este começou a convergir depois desta.  

O crescimento da população depende do crescimento natural, diferença entre nascimentos e mortes, e dos saldos migratórios, diferença entre imigração e emigração. O crescimento natural, tanto para Portugal como Espanha, vinha sendo baixo há já algum tempo, uma vez que, em ambos os países as taxas de fecundidade deixaram de ser suficientes para assegurar a renovação de gerações (2.1) desde os anos 80. No caso de Portugal, esse crescimento tornou-se mesmo negativo em 2007, ano em que pela primeira vez houve mais mortes do que nascimentos. Contrariamente, em Espanha assistiu-se a uma ligeira recuperação do crescimento natural nos últimos anos, como se pode ver no gráfico em baixo,  ainda que este se deva quase exclusivamente aos estrangeiros, que têm uma maior taxa de fertilidade que os nativos, como se pode ver no gráfico em baixo.


Por conseguinte, tanto em Portugal como em Espanha, o crescimento da população na última década ficou a dever-se quase exclusivamente aos saldos migratórios positivos, para os quais contribuíram um largo influxo de imigrantes. Mas, enquanto em Portugal esse crescimento começou a desacelerar a partir de 2002, em Espanha assistiu-se a uma verdadeira explosão até 2007, como é facilmente perceptível no gráfico em baixo.Nenhum pais moderno teve um crescimento tão grande da sua população imigrante como a Espanha. Em 1990, uma em cada 50 pessoas eram imigrantes. Hoje, são um em cada sete.”



Portugal não só recebeu menos imigrantes a partir de 2000, como também se assistiu a uma saída massiva de nacionais. Como Edward Hugh salientou num dos seus posts, a entrada de Portugal na União Europeia foi acompanhada por uma emigração constante, o que o distingue claramente dos outros países do sul, nomeadamente a Espanha (ver mapa na pagina 11), e o aproxima mais do caminho que seria trilhado por os países de leste aquando da sua entrada na União Europeia. Com efeito, e de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticaentre os censos de 2001 a 2011, a população residente em Portugal aumentou apenas 1.9% enquanto em Espanha esse aumento foi de 12.9%. (Gráfico em baixo).




Com a adesão ao Sistema Monetário Europeu e mais tarde ao Euro, as taxas de juro reduziram-se significativamente tanto para Portugal como Espanha e como consequência os dois aumentaram os seus níveis de endividamento. De acordo com o relatório da McKinsey- Debt and delevaraging (ver página 14) no final do segundo trimestre de 2011 Portugal e Espanha tinham um dívida total em % do PIB de 356 e 363, respectivamente. O efeito do crédito fácil e barato foi criar uma bolha imobiliária, tanto em Portugal como em Espanha, só que enquanto a Portuguesa começou a esvaziar em 2002 a Espanhola só rebentou em 2008.  Isto deve-se claramente a um aumento substancial da população em Espanha em resultado da imigração, muitos deles portugueses, ao passo que o aumento da imigração em Portugal foi apenas o suficiente para colmatar as saídas. Esse crescimento da população permitiu que a bolha imobiliária continuasse por muito mais tempo em Espanha  do que em Portugal, porque neste deixou de haver pessoas suficientes para comprar casas, e portanto os seus preços não aumentaram tanto como em Espanha, mesmo sem procura as habitações continuaram a ser construídas.  Por conseguinte, em Portugal, em vez de uma bolha clássica com preços inflacionados, foi mais o caso de uma “brutal sobre-produção”, uma vez que na última década construíram-se 800 mil novas habitações enquanto a população só aumentou 200 mil.  Pelo contrário, em Espanha, para além de um excesso de construção os preços tiveram um aumento exponencial, com uma contribuição significativa da imigração. É estimado que a imigração tenha contribuído para um aumento do preços das casas em 52% e que tenha sido responsável por 37% do total de novas habitações entre 1998 e 2008. Desde 2002 e até à crise de 2007-08, o crescimento da economia Portuguesa começou a estar mais em linha com o crescimento de economias onde a população activa se encontrava estagnada ou em declínio, nomeadamente a Alemanha e a Itália, como se pode ver no gráfico em baixo.




O gráfico em cima fica mais perceptível se agruparmos os países em dois grupos: os países de fraco crescimento económico e os países com crescimento mais saudável. Pertencendo Portugal, Alemanha e Itália ao primeiro grupo e Espanha, Irlanda e Grécia ao segundo. Com a excepção da Grécia, os países com crescimento económico saudável antes da recessão, foram também os países que tiveram maior crescimento da população activa no mesmo período, como se pode ver no gráfico em baixo. Pelo contrário, nos países onde o crescimento económico foi mais fraco, o crescimento da população activa foi também mais moderado ou mesmo negativo, como no caso da Alemanha. (Gráfico em baixo)



No entanto, a dinâmica alterou-se completamente com a recessão de 2007-08. Na Espanha, cujo crescimento populacional da última década se tinha ficado a dever quase exclusivamente ao saldo migratório positivo, as taxas de crescimento da população activa colapsaram, só igualadas pela queda abismal do seu PIB, e a sua população activa entrou efectivamente em declínio. Na Irlanda, apesar de uma queda ainda mais abrupta, o crescimento estabilizou em terreno positivo, uma vez que, o seu crescimento populacional não estava tão dependente dos saldos migratórios mas tinha também uma importante componente natural. De facto, a Irlanda tem  a maior taxa de fertilidade da Europa e portanto, a não ser que se volte a assistir a um grande aumento da emigração, o crescimento da sua população activa deve estabilizar em terreno positivo ainda que a um nível bastante inferior ao pré-crise. 

Em Portugal e na Grécia, mesmo antes da recessão de 2007-08, o crescimento da população activa mostrava já claros sinais de abrandamento, chegando mesmo a ser nulo em 2005, e apesar de uma ligeira recuperação, mais acentuada na Grécia do que em Portugal, a população activa entrou em declínio depois da recessão de 2007-08. A Itália, que tinha revertido o declínio da população activa iniciado na década de 90, parece agora uma vez mais regressar a terreno negativo. Por outro lado, a população activa da Alemanha começou a crescer pela primeira vez desde 1998. Certamente, também à custa de emigrantes Portugueses, Espanhóis, Italianos e Gregos


Como realçado por Daniel Gros, quando se compara o crescimento económico de países com crescimento da população muito diferentes, o melhor indicador é, sem dúvida, o PIB por População Activa (PIB/ População Activa). 




Com efeito, se compararmos o crescimento do PIB por População Activa entre os vários países na última década, gráfico em cima, nem o crescimento da Espanha e da Irlanda parecem tão espectaculares, nem o crescimento de Portugal, Alemanha e Itália parecem tão maus em comparação.  De facto, só a Grécia parece ter tido um crescimento espectacular antes da crise, o que estaria em linha com o crescimento da sua produtividade antes da recessão, mas também é provável que os seus números da população residente na base de dados estejam subestimados, uma vez que, a Grécia não só tem uma grande população de imigrantes ilegais como também lhe são apontadas algumas deficiências na recolha de dados. De qualquer forma, o seu crescimento provavelmente ficou a dever-se muito mais a outros factores irrepetíveis, como por exemplo os jogos olímpicos. É de salientar ainda o crescimento económico conseguido pela Alemanha, apesar do declínio da sua população activa, mostrando que o crescimento é possível com uma população em declínio.




Não obstante algumas variações regionais em resultado de migrações internas, a realidade é que a população activa da Zona Euro no seu conjunto, tal como em Portugal em 2008, parece agora iniciar uma longa trajectória decrescente que terá grandes repercussões ao nível do seu crescimento económico, como explicado no post anterior, e portanto, podemos concluir que também a Europa sofre de uma "escassez de Japoneses" como demonstrado no gráfico em cima. 



Em conclusão, não podemos compreender a situação económica que Portugal, Espanha e Grécia se encontram mergulhados sem olharmos para a sua demografia adversa. Ela já teve uma influencia notória nos seus desempenhos económicos na última década, nomeadamente na Espanha, onde o crescimento da população activa exerceu um papel preponderante no seu crescimento económico, já em Portugal o contrário foi verdade, uma vez que, a estagnação do crescimento da sua força laboral provocou a estagnação do seu crescimento aquando da sua entrada no Euro. Mais importante no futuro imediato, é que a populaçãoactiva da União Europeia como um todo iniciou uma longa, e talvez irreversível,caminhada para o declínio que irá actuar como um peso para a economia, fazendo com que a recuperação destes países seja ainda mais difícil.