quarta-feira, 8 de maio de 2013

Portugal tem "falta de Japoneses"

Um facto que tem passado despercebido no meio do barulho da discussão económica portuguesa é que, pela primeira vez na história recente, a população activa Portuguesa entrou em declínio. A demografia e o seu impacto no crescimento económico têm sido largamente ignorados pela ciência económica nas últimas décadas, sobretudo porque a população mundial manteve sempre uma trajectória crescente. Mas, à medida que entramos numa nova fase em que a população dá sinais de estabilizar e em alguns casos mesmo de diminuir, o seu impacto económico e financeiro não podem mais ser ignorados. Para Portugal a dinâmica demográfica pode não só explicar, em parte, o fraco crescimento económico da última década mas também a espiral recessiva em que se encontra actualmente.  No entanto, mais importante, são as suas consequências no futuro próximo.

"Há, de facto, várias consequências sociais importantes já previsíveis como resultado de um aumento na população ser transformado num declínio. Mas meu objectivo esta noite é a de lidar, em particular, com uma distinguível consequência económica resultado dessa mudança iminente, se, isto é, eu conseguir, por um momento, persuadi-lo o suficiente para afastar-se das convenções estabelecidas na sua mente de maneira a aceitar a ideia de que o futuro será diferente do passado "JM Keynes, Eugen Rev. 1937 Abril; 29 (1): 13-17.



Como se pode ver no gráfico anterior, entre 2010 e 2011 a população Portuguesa entrou efectivamente em declínio. Tendo uma das taxas de fecundidade mais baixas do mundo, este declínio era um resultado largamente previsível uma vez que a taxa de fecundidade deixou de ser suficiente para assegurar a renovação de gerações (2.1) desde 1982 (gráfico seguinte).




O crescimento da população depende do crescimento natural, diferença entre nascimentos e mortes, e dos saldos migratórios, diferença entre emigração e Imigração. O crescimento natural entrou em terreno negativo em 2007  e por conseguinte o crescimento da população tem dependido quase exclusivamente do saldo migratório positivo, para o qual contribuiu um largo influxo de imigrantes nas última década como se pode ver no gráfico em baixo. 


Contudo, desde a recessão de 2008, não só se inverteu o influxo de imigrantes, como também voltamos a assistir a um aumento da emigração, tendência essa que tem sido uma constante da história portuguesa há séculos e talvez o  factor mais determinante do declínio demográfico português. Declínio esse que ter-se-ia verificado há mais tempo não fosse o retorno de milhares de portugueses a seguir à descolonização (1974-1977, gráfico seguinte).



De acordo com o relatório da Comissão Europeia, The 2012 Ageing Report, as estimativas da evolução da população portuguesa para o período 2010 - 2060 previam que a população atingiria um pico em 2034, mas como confirmam os números mais recentes, a população atingiu esse pico em 2010 (população total, gráfico anterior), ano a partir do qual a população começou a decrescer. Isto deve-se claramente a uma sobrestimação dos saldos migratórios uma vez que os números do saldo natural são conhecidos há muito tempo. Apenas para evidenciar ainda mais a velocidade a que tudo isto está a ocorrer, no Japão o intervalo entre o início do declínio da população activa e o início do declínio da população total foi uma década, enquanto que em Portugal esse intervalo foi apenas de dois anos.

Mais importante que o declínio da população total, para efeitos da presente discussão, é o declínio da população activa, porque se a população total nos dá as possibilidades de consumo de uma economia a população activa representa o potencial produtivo da economia e portanto uma redução desta diminui o produto potencial. Por conseguinte, o facto mais importante a reter do gráfico em cima é que a população activa, definida como a população em idade de trabalho (15 – 64 anos), entrou em declínio pela primeira vez entre 2008 e 2009. 
Como salientado por Daniel Gros e Paul Krugman, quando se compara o crescimento económico de países com populações crescentes com países com populações em declínio, o melhor indicador a ser usado é, sem duvida, o PIB por População Activa (PIB/ População Activa). Surpreendentemente ou não, os dados vistos graficamente não só confirmam  o "efeito população activa" - distância entre as linha do PIB Real e do PIB/População activa -  como também que Portugal atingiu o ponto onde esse efeito começou a influenciar negativamente o crescimento do PIB.



O gráfico anterior mostra que a taxa de crescimento do PIB Real foi sempre superior à taxa de crescimento PIB por População Activa até 2008 e como tal o crescimento da população activa teve um impacto positivo no crescimento do PIB .  É de salientar, no entanto, que tanto no período 1986 - 1991 como no período 2003 - 2008, as taxas do PIB Real e do PIB por População Activa quase se sobrepuseram, o que indica que o crescimento da população activa estagnou e o “efeito população activa” foi quase neutro.  O primeiro período, 1986 - 1991, é resultado do grande movimento emigratório que se seguiu à entrada de Portugal na União Europeia. Efectivamente, durante este período a população total declinou, como se pode ver no gráfico População por grupo etário (em cima, linha azul), mas na altura a taxa de crescimento da população activa ainda era ligeiramente positiva. Por outras palavras, ainda havia portugueses suficientes para substituir os que saíam. No segundo período, 2003 - 2008, a grande saída de portugueses, cerca de 700 mil entre 1998 e 2008, de acordo com uma pesquisa do então economista e agora ministro do emprego e economia, Álvaro Santos Pereira, foi compensada por uma entrada de imigrantes mas estes foram apenas em número suficiente para manter a população activa a um nível estacionário.

No entanto, essa tendência inverteu-se completamente em 2008 (duplicação do gráfico anterior para o período 2006-2011, em baixo) quando a taxa de crescimento da população activa passou para território negativo, ou seja, a população activa começou a diminuir. No ponto em que as taxas do PIB Real e do PIB por População Activa se sobrepõem a variação da população não tem qualquer efeito no crescimento do PIB Real. A partir desse momento, a taxa de crescimento do PIB por População Activa passa a ser superior à taxa de crescimento do PIB Real e portanto "o efeito população activa" começa a arrastar irremediavelmente o produto potencial para baixo. Por outras palavras, Portugal sofre de uma "escassez de Japoneses" como lhe chamou  Edward Hugh  depois de Paul Krugman ter cunhado originalmente o termo.


O facto de as três linhas do gráfico anterior se intersectarem no ponto zero em 2008 é apenas uma triste coincidência, mas as suas consequências são desastrosas, uma vez que, a tendência de declínio da população que já vinha de traz intensificou-se a seguir à recessão. Com o aumento do desemprego não só colapsou a imigração mas também aumentou a emigração. Como consequência, a população activa começou a decrescer a um ritmo acelerado assim como a economia, como se pode ver no gráfico anterior pelo aumento da distancia entre a linha do PIB real e do PIB por População Activa.  Ou seja, se a população activa se tivesse mantido estacionária, como no ponto realçado (2008), a economia estaria neste momento a crescer/decrescer a taxas similares às do PIB por População Activa, isto é, acima do nível que se encontra agora como aliás aconteceu no período entre 2003 - 2008 (explicado em cima). 

O argumento aqui defendido não é o de que o crescimento do produto não é possível com uma população activa estagnada ou em ligeiro declínio, mas tão só, que este se torna mais difícil de alcançar nestas circunstâncias, porque agora este depende ainda mais de outros factores, como por exemplo da produtividade ou do aumento das taxas de participação na força de trabalho, mas estes mudam lentamente ao longo do tempo, mais ainda em países desenvolvidos, e, como tal, o crescimento torna-se progressivamente mais lento. Isto é evidente no gráfico em baixo: enquanto que o crescimento da força de trabalho foi o principal motor do crescimento quando Portugal era um país em desenvolvimento, este foi perdendo a sua importância à medida que a força de trabalho começou a crescer mais lentamente. Esses outros factores começaram a ganhar progressivamente mais importância à medida que Portugal começou a convergir com outros países mais desenvolvidos, mas agora que esse processo de convergência parece ter estagnado também, o crescimento económico começou a estagnar também. Com uma população activa estagnada, a tendência de longo prazo, é de um crescimento do produto muito baixo ou mesmo nulo. 



Enquanto que na década de 70 o crescimento da população activa explicava mais de metade do crescimento económico,  esse contributo reduziu-se para apenas 16% na última década (gráfico anterior). Contudo, desde 2008 esse contributo não só se inverteu como começou a aumentar muito rapidamente, e em 2011 o efeito população activa explicava já 29% do decréscimo do PIB e a tendência é para aumentar mais ainda à medida que a população activa diminui. Isto significa que caso a população activa se tivesse  mantido estagnada a recuperação em 2010 teria sido mais acentuada e a recessão de 2011 não teria sido tão profunda. Esta é a razão pela qual as previsões de crescimento têm sido constantemente revistas e assim continuarão até os modelos económicos incorporarem os efeitos do declínio da população activa no crescimento económico. Mais, a ignorância em relação a estes efeitos levou o primeiro-ministro a sugerir aos Portugueses a emigração como uma rota de saída da crise, conselho esse que foi seguido por milhares, tornando uma situação já de si má numa ainda pior.



O crescimento económico de Portugal parece ter iniciado uma longa trajectória decrescente a par com o declínio da sua população activa.  A economia está a produzir a níveis de 2001, ou seja, a década de 2000 foi uma década complemente perdida. Portugal está já a caminho da segunda década perdida, uma vez que, será muito difícil recuperar deste mau arranque. Na melhor das hipóteses a economia vai estagnar, mas o mais provável é mesmo regredir e em 2019 podemos estar de volta ao início dos anos 90. Sim, porque para além de todos os outros problemas que afectam a economia e que fazem com que a situação seja no mínimo difícil, temos  agora mais um, o declínio da população activa, e este não pode ser revertido no curto prazo. A velocidade a que este acontece será o factor mais importante a ter em conta nos próximos anos. Portanto, na análise do crescimento económico Português, a dinâmica demográfica não pode mais ser ignorada!

Como Keynes concluiu na sua apresentação sobre o declínio populacional (Resumo em Português), uma população estacionária  ou em declínio lento pode aumentar o seu nível de vida enquanto preserva as instituições que a sociedade preza, se o processo for gerido com a necessária sabedoria e  destreza. Pelo contrário, um declínio rápido da população, como o que está a acontecer em Portugal, diminuirá rapidamente o nível de vida da população e provavelmente provocará a falência da segurança social. Medidas urgentes deveriam ser tomadas para contrariar este declínio, ou pelo menos tentar diminuir a sua velocidade, porque uma vez desencadeado, é muito difícil de travar, como prova temos a Irlanda que demorou mais de um século para recuperar do declínio populacional iniciado no século XIX.

É estranho – que haja quem estranhe a emigração. Nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país caótico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa da Europa – citam-se, a par, a Grécia e Portugal. Nós, porém, não possuímos como a Grécia, além de uma história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma literatura de modelo universal, e o museu humano da beleza da Arte. Apenas nos ufanamos do Sr. Lisboa, barítono, e do Sr. Vidal, lírico.” Eça de Queirós: “Uma Campanha Alegre", 1872.

Leituras recomendadas: The Great Portuguese Hollowing Out;  Portugal – Please Switch The Lights Off When You Leave!Portugal Sustains